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Até a presidenta chorou

Por Pedro Cardoso da Costa

O Brasil é mesmo um país que procura se diferenciar dos demais. Em qualquer outro país, quando ocorre uma tragédia inusitada ou natural, uma série de medidas é tomada de imediato, seja no âmbito local ou nacional, conforme os aspectos causadores sejam localizados ou abrangentes. Após o massacre no Rio de Janeiro, a medida da escola foi suspender as aulas por tempo indeterminado e em âmbito estadual e federal, foi o estudo genealógico da personalidade do suicida-assassino.

É fato que para o ocorrido não tenha mais jeito, mas a discussão deve se ater a evitar ou amenizar tragédias semelhantes. Em defesa própria, e prévia, o prefeito do Rio de Janeiro disse logo que não. Surgiu informação de que uma das armas fora roubada há mais de dezoito anos. A compra e porte de arma são controlados pelo governo. Uma arma roubada não deveria ficar nas ruas, alguma instituição do Estado teria, e tem a responsabilidade de recuperá-la. Os governos estaduais e o federal têm por dever evitar os roubos. No caso concreto, em primeiro lugar tiveram dezoito anos para retomada e não o fizeram. Também coube ao prefeito afirmar que as portas das escolas devem continuar escancaradas a todos, com armas ou não, mesmo nestes tempos de altíssimo índice de violência em todo o país.

Nenhum especialista em violência, que aparecem a comentar tragédia como comentarista de futebol, mencionou o que um guarda poderia ter feito. Primeiro, poderia ter abordado um estranho, segundo, após o início dos tiros, acionado a polícia com mais rapidez, devido ao presumido preparo. Talvez nenhuma escola utilize mesmo um detector de metal, mas alguma vistoria deveria ser feita sempre que um indivíduo portasse alguma mochila, sacola ou maleta. Precisa-se dar um basta à argumentação antecipada de que toda tragédia no Brasil é inevitável.

Outra medida defendida quase pela unanimidade das autoridades e especialistas seria estudar se o suicida-assassino tinha antecedentes familiares de loucura, psicopatia e outros problemas mentais. Essa preocupação deveria ter sido antes. E se esse rapaz tivesse precisando mesmo de tratamento, com certeza, não teria em lugar público nenhum deste país. Ora, toda hora aparecem pessoas toda quebradas, morrendo de dor, há vários dias ou semanas nos hospitais sem nenhum atendimento. Não seria um pobre da periferia que receberia atendimento psicológico. Diriam a ele que se tocasse. O Estado teria coisas mais relevantes para cuidar.

O pior é que ninguém cobra antes, nem fala isso abertamente com as autoridades no momento das tragédias. Se um repórter perguntasse ao governador ou ao prefeito onde alguém levaria um parente, com vida, para tratamento de possíveis distúrbios mentais, perceberia que eles só falam por falar, para se isentarem de responsabilidade de não dar segurança em lugar nenhum, nem tratamento de saúde para ninguém. Foi trágico, mas o suicida-assassino já não traz mais nenhum risco à sociedade. Não há relevância saber sobre se é genética a psicopatia de um falecido. Isso deveria ter sido feito, e não foi. Para quem deve ser feito, nada vai ser feito; nem cobrado por ninguém. O brasileiro não tem solidariedade para exigir, apenas para levar flores aos mortos e para chorar suas vítimas. Às vezes, vítimas da nossa própria inércia.

Hoje, ontem, anteontem; até no mesmo dia da tragédia, foram assassinadas centenas de pessoas neste país. Cada uma de forma injusta, covarde e indefesa, como é qualquer assassinato. Nenhuma autoridade nem sequer disponibiliza o número de quantos assassinatos são cometidos por dia no Brasil. No fim do ano, no mínimo, quarenta mil. Sem alarde, sem manchete, sem choro de prefeito, de governador nem de presidente. Uma vez que cada brasileirinho e brasileirinha perca a vida isoladamente, podem morrer aos milhares naturalmente, que não receberão nem um número num banco de dados dos governos. O brasileiro deve chorar e não aceitar o assassinato coletivo de 12 crianças, da mesma forma que não deve se calar diante desse massacre isolado, maior do que em qualquer guerra recente.

O choro diante de uma tragédia demonstra nobreza de sentimento. É muito louvável. O choro de autoridades somente após as tragédias soa mais como defesa ou ressentimento pelo que não fizeram. Após, segue o silêncio, a inoperância, sem nenhuma medida real, passivamente assistindo a desordem e a violência tomarem conta do país.

Ao fim do ano, nem o prefeito do Rio de Janeiro vai dizer uma vírgula sobre quantos foram assassinados no município, nem o governador sobre o seu Estado, nem a presidenta sobre o Brasil. E pelos índices atuais, terão sido baleados, esfaqueados, afogados, trucidados mais de quarenta mil brasileirinhos e brasileirinhas. Exatamente como as 12 indefesas crianças, sem culpa, sem dar causa; sem ninguém ter feito nada antes para defendê-las, sem ninguém na porta para chamar a polícia. Por morrerem coletivamente, as do Rio tiveram a condolência de todos, sobre os outros milhares ninguém tomará conhecimento. Nenhuma lágrima oficial será derramada por elas.

Pedro Cardoso da Costa – Interlagos/SP
Interlagos/SP
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