O senador pernambucano Jarbas Vasconcelos (PMDB) diz-se decepcionado com a política e com seu partido.
Em entrevista à revista Veja, desta semana, ela disseca as entranhas das relações da sigla com o poder. O vale-tudo o enoja. Para Jarbas, "boa parte do PMDB quer a corrupção".
Leia com atenção os principais trechos que colhi, com a ajuda do blogueiro Oliveira Wanderley:
Veja - O que representa para a política brasileira a eleição de José Sarney para a presidência do Senado?
Jarbas - É um completo retrocesso. A eleição de Sarney foi um processo tortuoso e constrangedor. Havia um candidato, Tião Viana, que, embora petista, estava comprometido em recuperar a imagem do Senado. De repente, Sarney apareceu como candidato, sem nenhum compromisso ético, sem nenhuma preocupação com o Senado, e se elegeu. A moralização e a renovação são incompatíveis com a figura do senador.
Veja - Mas ele foi eleito pela maioria dos senadores.
Jarbas - Claro, e isso reflete o que pensa a maioria dos colegas de Parlamento. Para mim, não tem nenhum valor se Sarney vai melhorar a gráfica, se vai melhorar os gabinetes, se vai dar aumento aos funcionários. O que importa é que ele não vai mudar a estrutura política nem contribuir para reconstruir uma imagem positiva da Casa. Sarney vai transformar o Senado em um grande Maranhão.
Veja - O senador Renan Calheiros acaba de assumir a liderança do PMDB...
Jarbas - Ele não tem nenhuma condição moral ou política para ser senador, quanto mais para liderar qualquer partido. Renan é o maior beneficiário desse quadro político de mediocridade em que os escândalos não incomodam mais e acabam se incorporando à paisagem.
Veja - O senhor é um dos fundadores do PMDB. Em que o atual partido se parece com aquele criado na oposição ao regime militar?
Jarbas - Em nada. Eu entrei no MDB para combater a ditadura, o partido era o conduto de todo o inconformismo nacional. Quando surgiu o pluripartidarismo, o MDB foi perdendo sua grandeza. Hoje, o PMDB é um partido sem bandeiras, sem propostas, sem um norte. É uma confederação de líderes regionais, cada um com seu interesse, sendo que mais de 90% deles praticam o clientelismo, de olho principalmente nos cargos.
Veja - Para que o PMDB quer cargos?
Jarbas - Para fazer negócios, ganhar comissões. Alguns ainda buscam o prestígio político. Mas a maioria dos peemedebistas se especializou nessas coisas pelas quais os governos são denunciados: manipulação de licitações, contratações dirigidas, corrupção em geral. A corrupção está impregnada em todos os partidos. Boa parte do PMDB quer mesmo é corrupção.
Veja - Quando o partido se transformou nessa máquina clientelista?
Jarbas - De 1994 para cá, o partido resolveu adotar a estratégia pragmática de usufruir dos governos sem vencer eleição. Daqui a dois anos o PMDB será ocupante do Palácio do Planalto, com José Serra ou com Dilma Rousseff. Não terá aquele gabinete presidencial pomposo no 3º andar, mas terá vários gabinetes ao lado.
Veja - Por que o senhor continua no PMDB?
Jarbas - Se eu sair daqui irei para onde? É melhor ficar como dissidente, lutando por uma reforma política para fazer um partido novo, ao lado das poucas pessoas sérias que ainda existem hoje na política.
Veja - O senhor sempre foi elogiado por Lula. Foi o primeiro político a visitá-lo quando deixou a prisão, chegou a ser cotado para vice em sua chapa. O que o levou a se tornar um dos maiores opositores a seu governo no Congresso?
Jarbas - Quando Lula foi eleito em 2002, eu vim a Brasília para defender que o PMDB apoiasse o governo, mas sem cargos nem benesses. Era essencial o apoio a Lula, pois ele havia se comprometido com a sociedade a promover reformas e governar com ética. Com o desenrolar do primeiro mandato, diante dos sucessivos escândalos, percebi que Lula não tinha nenhum compromisso com reformas ou com ética. Também não fez reforma tributária, não completou a reforma da Previdência nem a reforma trabalhista. Então eu acho que já foram seis anos perdidos. O mundo passou por uma fase áurea, de bonança, de desenvolvimento, e Lula não conseguiu tirar proveito disso.
Veja - Mas esse presidente que o senhor aponta como medíocre é recordista de popularidade. Em seu estado, Pernambuco, o presidente beira os 100% de aprovação.
Jarbas - O marketing e o assistencialismo de Lula conseguem mexer com o país inteiro. Imagine isso no Nordeste, que é a região mais pobre. Imagine em Pernambuco, que é a terra dele. Ele fez essa opção clara pelo assistencialismo para milhões de famílias, o que é uma chave para a popularidade em um país pobre. O Bolsa Família é o maior programa oficial de compra de votos do mundo.
Veja - Para o senhor, o governo é medíocre e a oposição é medíocre. Então há uma mediocrização geral de toda a classe política?
Jarbas - Isso mesmo. A classe política hoje é totalmente medíocre. E não é só em Brasília. Prefeitos, vereadores, deputados estaduais também fazem o mais fácil, apelam para o clientelismo. Na política brasileira de hoje, em vez de se construir uma estrada, apela-se para o atalho. É mais fácil.
Veja - É possível mudar essa situação?
Jarbas - É possível, mas será um processo longo, não é para esta geração. Não é só mudar nomes, é mudar práticas. A corrupção é um câncer que se impregnou no corpo da política e precisa ser extirpado. Não dá para extirpar tudo de uma vez, mas é preciso começar a encarar o problema.
Nota do Blog - Há tempos não lia algo tão lúcido e consistente sobre a política brasileira. Concordo com praticamente tudo que é asseverado pelo congressista pernambucano. O caminho para a mudança, continuo repetindo, é a instrução, o conhecimento, a educação. Não se trata da farsa da "alfabetização", em que a maioria sabe tão-somente desenhar o nome e não consegue entender quase nada do que lê. Refiro-me à capacidade de discernir, à elevação cidadã, que permite ao indivíduo questionar, fazer escolhas com a mente e não com o estômago.