Aprovada com euforia na Câmara dos Deputados e no Senado, a proposta Ficha Limpa, iniciativa popular que impede a candidatura daqueles que têm contas com a Justiça, corre o risco de cair no vazio. Dificilmente valerá para o próximo pleito e, ainda que valha, terá pouco ou quase efeito algum.
Mesmo que se supere o escandaloso ardil semântico introduzido pelo deputado Francisco Dornelles (PP-RJ) - que, ao substituir a expressão “que tenham sido” por “que forem” condenados, salvou dezenas de políticos e dificultou o caminho para a punição imediata -, não faltarão contestações às novas regras.
Alguns consideram que a modificação feita pelo Senado impõe a devolução da matéria à Câmara, posição do líder do governo,
deputado Cândido Vacarezza (PT-SP), que enterraria de vez qualquer possibilidade de vigência neste ano. Sem contar aqueles que vêm a proposta como alteração nas normas eleitorais e, portanto, inaplicável em 2010.
Mas foi o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Ricardo Lewandowski, o primeiro a derramar a água fria do balde – “uma lei não pode retroagir para prejudicar ninguém”. Assim sendo, ela não tem qualquer efeito para crimes do passado e só poderá ser aplicada contra pessoas condenadas no intervalo de tempo entre a sanção pelo presidente Lula e o
registro das candidaturas. Ou seja, de 10 de junho a 5 de julho.
Pior. Não valerá também para quem for condenado depois da data de registro, já que nos julgamentos, a Justiça Eleitoral costuma analisar a situação do candidato apenas na data da inscrição. Cassá-la posteriormente é dificílimo. Estranho costume esse. Nem considera a hipótese de proteger o eleitor e acaba por estimular a impunidade.
Ainda no âmbito judicial, as punições irrisórias aplicadas aos que descumprem a lei são mais uma afronta ao eleitor. Por campanha antecipada, o presidente Lula já recebeu quatro multas e sua candidata Dilma Rousseff outras duas. Como nada mais acontece, o baixo valor – as seis juntas somam R$ 40 mil – incentiva a dupla a continuar no mesmo tom, desafiando a Justiça e, de quebra, desrespeitando o eleitor.
O descaso não é novidade. O eleitor só adquire alguma importância nos anos pares, quando, em seu nome, faz-se todo o tipo de bondades, sejam elas exeqüíveis ou não. Basta ver a recente votação do fim do fator previdenciário. O Congresso aprova a irresponsabilidade, fica bem na foto, e deposita a questão no colo do presidente Lula e nas frágeis contas do país.
Nesse caso, Lula já antecipou a intenção de veto e a disposição de arcar com o ônus do gesto impopular. Mas isso não servirá
de perdão para os pecados cometidos e os que ele continua a cometer. Seus agrados com o dinheiro público representam nada menos do que um rombo de R$ 2,2 trilhões, 64,4% do PIB.
Mesmo com tudo contra ele, o eleitor reage. Não se contenta mais com o papel de coadjuvante que os políticos tradicionalmente tentam lhe reservar. A duras penas, busca ser protagonista, como mostrou a mobilização pelo Ficha Limpa.
Mas não tem saída. As caras contas terão de ser pagas. E com o suor do eleitor.
Mary Zaidan é jornalista. Trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas em duas campanhas e ao longo de todo o seu período no Palácio dos Bandeirantes. Há cinco anos coordena o atendimento da área pública da agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa'.
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