A CPI da Funai e do Incra na Câmara aprovou nesta
quarta-feira (17) o texto-base do relatório do deputado Nilson Leitão
(PSDB-MT), que sugere o indiciamento de mais de 100 pessoas. Por volta das
16h35, a sessão foi suspensa devido à abertura das votações no plenário
principal da Casa.
Os deputados da CPI ainda analisarão três sugestões de mudanças
no texto. A previsão é de que os destaques sejam analisados ainda nesta quarta,
após o fim da ordem do dia da Câmara.
O relator decidiu retirar do parecer a proposta de encerrar
as atividades da Funai. Ele chegou a incluir a sugestão no texto, mas não
manteve a mudança no relatório final.
A comissão parlamentar de inquérito investigou a Fundação
Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra), principalmente em relação aos critérios de demarcação de
terras indígenas e quilombolas, assim como os conflitos agrários decorrentes
desse processo.
O colegiado foi instalado em novembro do ano passado, mas o
grupo também aproveitou o trabalho de outra CPI com o mesmo tema que funcionou
entre novembro de 2015 e agosto de 2016, sem ter aprovado um relatório.
Na sessão de terça (17), não foi permitido o acesso de
indígenas, nem de entidades representativas. A segurança da Casa informou que a
medida foi tomada por ordem do presidente da CPI Alceu Moreira (PMDB-RS).
Moreira é membro da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária, também conhecida
como bancada ruralista. O relator da CPI, Nilson Leitão, é presidente da
bancada ruralista.
Nesta quarta, dois representantes indígenas conseguiram ter
acesso à comissão, enquanto um grupo ficou do lado de fora da Câmara.
O deputado Valmir Assunção (PT-BA) fez críticas à atuação do
relator e disse que a CPI só ouviu um lado dos fatos, o dos fazendeiros.
“[O relatório] é para criminalizar os índios, criminalizar
os quilombolas, inviabilizar o processo de reforma agrária e perseguir os
servidores públicos. Esse é objetivo central”, afirmou.
O relator disse que não é verdade que a CPI é contra o
índio. “O fato é que a Funai falhou por várias razões. (...) As fraudes no
Incra são muito fortes”, enfatizou.
Enquanto a sessão transcorria com a presença de seguranças
nas duas entradas da sala, índios e representantes da Funai e do Conselho
Indigenista Missionário (Cimi) aguardavam do lado de fora da Câmara. A
segurança no acesso ao prédio também foi reforçada.
Perguntado por jornalistas se ouviu lideranças indígenas
para elaborar o parecer, o relator Nilson Leitão desconversou e não respondeu.
Ele também questionou a presença de índios do lado de fora da Câmara.
“Tem que ver qual índio está sendo motivado por alguma ONG
que está sendo citada, qual índio que está aqui porque alguém bancou para vir,
tem que entender tudo isso. Tem muito índio nascendo com 40 anos de idade no
Brasil. Esse tem direito a cota, terra e tudo?”, afirmou.
A sessão transcorreu em clima tenso, com a oposição tentando
obstruir a votação do parecer. O deputado Edmilson Rodrigues (PSol-PA) chegou a
levantar de sua cadeira e se dirigir aos gritos à mesa da presidência. Ele
pedia para usar a palavra no microfine, mas a solicitação foi negada.
Indiciamentos
O relatório final tem quase 3,4 mil páginas. O total de
pedidos de indiciamentos e encaminhamentos é de 101, envolvendo procuradores,
antropólogos, indígenas, servidores da Funai, do Incra, pessoas ligadas à
organização Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e ao Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), procuradores da República, além do ex-ministro da Justiça
José Eduardo Cardozo.
Com a aprovação pela CPI, os pedidos de indiciamento serão
encaminhados ao Ministério Público e órgãos competentes para o aprofundamento
das investigações ou o eventual oferecimento de denúncia.
No caso dos procuradores, a CPI não tem poder de pedir
indiciamento, mas apenas de fazer encaminhamentos aos órgãos competentes.
O deputado Edmilson Rodrigues afirma que o relatório traz
aberrações e diz que nenhum citado pelo relator foi chamado para prestar
esclarecimentos na comissão. Segundo ele, uma das pessoas que foi alvo de
pedido de investigação faleceu em 2008.
O relator esclareceu que o citado já falecido não constava
no texto como indiciado, mas como integrante de um grupo que teria cometido
improbidade administrativa. Ele informou que o nome foi retirado do relatório e
caberá às autoridades competentes proceder investigação.
O relatório também propõe a tramitação de um projeto de lei
que regulamente, de forma objetiva, o que é ocupação tradicional. Quanto ao uso
do solo em terras indígenas, o relator defende que cabe ao índio decidir a
utilização da terra para fins comerciais e produtivos e a celebração de
contratos.
Nova Funai
Quando apresentou o relatório, Nilson Leitão sugeriu o
encerramento das atividades da Funai, com a criação de um novo órgão. Após
críticas da oposição, o relator alterou o texto passou a propor apenas uma
reestruturação da Funai.
Ele defende que todos os serviços relacionados aos
indígenas, inclusive saúde e educação, sejam centralizados no órgão que, para
ele, poderia ganhar status de secretaria nacional ou de ministério
“Queremos que tudo que trate do índio esteja em uma
estrutura só, grande, forte, competente, e não como é hoje, apenas para cuidar
de demarcação”, explicou.
O relatório pede ainda que sejam anulados ou revogados 21
decretos editados pela então presidente Dilma Rousseff no dia 1º de abril de
2016 que declararam imóveis rurais como de interesse social para fins de
reforma agrária.
Demarcação de terras
O relatório aponta a autoria ou participação de pessoas em
diversas irregularidades, como invasões e a atuação fraudulenta para a
delimitação e demarcação de áreas.
No documento, Nilson Leitão sustenta que a CPI identificou
diversos problemas, como o uso de laudos fraudulentos para embasar a demarcação
de terras indígenas e quilombolas em locais que não seriam de ocupação
tradicional, isto é, quando são efetivamente habitados por esses povos.
O relator critica ainda o critério de auto-atribuição para a
identificação das comunidades remanescentes de quilombos por não haver uma
checagem da informação. Ele diz ainda que a demarcação de terras se baseia em
laudos parciais e diz que o trabalho dos antropólogos “deve ser científico, não
militante”.
Reforma agrária
Em relação à reforma agrária, o relator diz ter identificado
“um alarmante número de irregularidades” no Incra.
Entre os problemas apontados por ele, está a delegação a
lideranças particulares a atribuição de escolher a propriedade que será alvo de
reforma agrária e quem será assentado.
Segundo o relator, essas lideranças particulares, em
"conluio" com servidores do Incra, passaram a vender o “direito” de
ser assentado com o pagamento de mensalidades a essas lideranças, além da venda
irregular de lotes.
Outra fonte de renda para essas “quadrilhas”, de acordo com
o relatório, tem sido a própria madeira extraída dos assentamentos. Para ele, a
política da reforma agrária se transformou em uma “tragédia”.
Segundo Leitão, as invasões de propriedades rurais
representam um “expediente ardiloso e que tangencia a guerra revolucionária”.
O deputado diz ainda que ao deixar de punir os invasores se
cria um pretexto para “uma anacrônica ditadura militar com base nas
envelhecidas ideias marxistas”.
ONGs
O relatório traz o argumento de que as demarcações devem ter
como critério os locais de ocupação tradicional indígena. Segundo o texto,
muitas vezes são apresentados "laudos fraudulentos, em conluio e confusão
de interesses com antropólogos e ONGs, muitas vezes, respaldados,
juridicamente, por segmentos do Ministério Público Federal".
O relator ainda questiona a necessidade de se fazer mais
demarcações de terras indígenas sob o argumento de que os problemas dos índios
não se resumem à questão da terra e “grande parcela do território brasileiro já
foi reservada para as populações indígenas”.
“De fato, os próprios dados oficiais colocam em xeque o afã
demarcatório em detrimento de outras políticas em favor da dignidade indígena,
corroborando o já afirmado”, escreveu.
Para embasar a sua tese, ele pondera que a população
indígena do Brasil é composta por 817.963 índios, ocupando 117 milhões de
hectares, que, segundo o parecer, representam 13,7% do território nacional.
Fonte: G1
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