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Lei de Anistia: decisão pode causar insegurança jurídica

LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO

As teorias modernas sobre o direito estão estruturadas na garantia jurídica. Assim sendo, onde houver injustiça e violência haverá ilegalidade. Mas, durante os regimes de exceção, os indivíduos têm sua cidadania tutelada pelas autoridades no poder, que impõem sua vontade pelo arbítrio.

Assim foi no Brasil, ao longo da ditadura militar (1964-1985). Mas o país superou esse período conturbado e consolidou-se como Estado democrático de Direito. A Constituição brasileira de 1988 reflete um compromisso com os direitos humanos, sendo dever do poder público e de todos os brasileiros respeitá-los.

No entanto, ficaram arestas do passado, e a sociedade almeja descerrar esse véu histórico que perdura sobre o período ditatorial e conhecer toda a verdade. Quer saber o que de fato aconteceu com 140 brasileiros ainda desaparecidos durante o regime militar, para que se possa dar uma satisfação aos seus familiares e amigos.

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental interposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil no Supremo Tribunal Federal tem esse condão de buscar iluminar um momento histórico importante, ao propor abrir o debate sobre a extensão da Lei de Anistia (lei nº 6.683/79).

Ela provoca nossa corte constitucional a dar a devida resposta sobre a indagação se efetivamente a lei anistiou os crimes políticos ou conexos cometidos por agentes do Estado ou se esses agentes poderão ser processados e responsabilizados pelos atos praticados, enfeixados como crimes comuns.

A normalidade democrática e o fortalecimento das instituições foram conquistas do povo brasileiro, e certamente a Lei de Anistia, remédio amargo para uns, necessário para outros, contribuiu para esse processo.

A lei ajudou a apaziguar e a ordenar um país conturbado e dividido entre a violência dos agentes públicos civis e militares (tortura, estupro, assassinatos) e a exercida por militantes de esquerda, que confrontavam o regime (terrorismo, assalto, sequestro).

Toda lei que dura pouco, tenha variada interpretação jurídica ou implique em efeitos retroativos certamente produzirá insegurança jurídica. Isso pode acontecer com a revisão da Lei de Anistia, cuja elaboração e amplitude ainda hoje são discutidas.

Possível resposta está no voto do ministro do STF, Marco Aurélio Mello, ao denegar pedido de extradição do governo da Argentina para militar argentino morando no Brasil, acusado de integrar a Operação Condor.

Essa decisão expõe de forma consistente o fulcro da questão, ao ressaltar que o processo já estava prescrito segundo os ordenamentos jurídicos da Argentina e do Brasil e que, se deferisse a extradição, estaria abrindo as portas às mais diversas controvérsias e a um conflito sem limites.
De modo lúcido, o ministro interpreta a anistia como a "virada de página, perdão em sentido maior, desapego a paixões que nem sempre contribuem para o almejado avanço cultural. Anistia é ato abrangente de amor, sempre calcado na busca do convívio pacífico dos cidadãos".

Tenho a plena convicção de que a sociedade brasileira não compartilha com qualquer forma de impunidade, com o Estado policial, assim como não legitima quaisquer tipos de violências, política ou comum, ou se considera herdeira de qualquer forma de autoritarismo ou obscurantismo. O Brasil anseia andar para frente.

Atualmente, a Constituição Federal assegura a observância por parte do Estado das liberdades fundamentais, da realização dos direitos humanos, do princípio da dignidade da pessoa humana, para que nenhum cidadão seja submetido a qualquer ato degradante ou desumano e para que tenha assegurada a sua participação ativa na construção de seu destino, de sua comunidade e de seu país.

Dessa forma, um futuro melhor, no plano dos direitos fundamentais, já está assegurado às novas gerações.

Tudo somado, a decisão do STF sobre a Lei de Anistia não extinguirá a polêmica sobre a violação dos direitos humanos no Brasil, mas pode reavivar um debate sempre importante -o de que a conquista de cada direito abre campo para a declaração de novos direitos, em benefício de toda a humanidade.

LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO,
advogado criminalista, mestre e doutor em direito penal pela USP, é presidente da OAB-SP (seccional paulista do Ordem dos Advogados do Brasil).

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