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O distanciamento saudável entre fé e política

FABIANA PULCINELI

"Quando temos religião participando da política, temos inevitavelmente um caminho que vai terminar no fanatismo", disse o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), no ano passado, em meio ao segundo turno da campanha presidencial. Na ocasião, a questão religiosa ocupou o centro do debate eleitoral e surpreendeu pela mobilização e influência sobre os candidatos.

Ainda que a declaração tenha a ver com a defesa da aliada Dilma Rousseff (PT), então candidata, que era o principal alvo da movimentação dos religiosos, Sarney está correto. A tênue linha que separa a convicção religiosa do fanatismo, da discriminação e da intolerância é um risco no meio político. Daí que uma das mais valiosas conquistas da democracia é a separação entre religião e política.

Das eleições do ano passado para cá, quando forçaram que o debate da questão do aborto abandonasse os termos técnicos - que cabem ao Estado - para cair na discussão religiosa, as sucessivas investidas de lideranças de igrejas sobre assuntos de Estado e da política merecem reflexão.

No mês passado, a bancada evangélica na Câmara chantageou o governo federal, usando a crise que envolvia o ex-ministro Antônio Palocci como moeda de troca para forçar o recuo na distribuição do chamado kit anti-homofobia nas escolas. Uma negociação que chega a ser sórdida, em que a convocação ou não do então ministro para depor dependia da desistência do governo em relação ao material. Tudo em nome da religião.

Os deputados evangélicos perdoaram o ex-ministro pela multiplicação em 20 vezes do patrimônio porque o governo atendeu à cobrança pelo fim do kit "contrário aos bons costumes" e aos preceitos da religião dos integrantes da bancada. Se o conteúdo do kit, que tinha intenção de ser educativo, era questionável ou não, o debate deveria ser racional e técnico, como cabe ao Estado.

Pressões e argumentos desse nível também são vistos em relação à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de aprovar a união estável entre pessoas do mesmo sexo, ao projeto de lei que criminaliza a homofobia e ao debate sobre drogas. Comemoraram e providenciaram moção de apoio ao juiz Jerônymo Pedro Villas Boas, da 1ª Vara da Fazenda Pública Municipal e de Registros Públicos de Goiânia, que anulou o primeiro casamento gay do País, e argumentou, junto aos aliados na Câmara, que agiu em nome de Deus.

"Grande mídia tem preconceito religioso. Ao entrevistar o juiz Jerônymo não perguntaram os fundamentos da decisão, mas apenas se ele era pastor", criticou o deputado goiano João Campos (PSDB), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, que leu na tribuna o documento em defesa do juiz. Ora, vamos mesmo discutir preconceito?"

Também na discussão sobre as drogas, que se intensificou com a bandeira do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em defesa da descriminalização, cabe ao Estado promover um debate técnico, com especialistas, levantamentos, números, levando em conta as questões de segurança e saúde pública, e não se centrar no debate particular das religiões.

Curioso ver que há dez dias as bancadas católica e evangélica apresentaram, em conjunto, projeto de lei na Câmara que protege as igrejas, estabelecendo que o Estado não pode obrigá-las a adotar práticas que contrariem suas convicções ou doutrinas religiosas. "O princípio da separação entre o Estado e a Igreja traz como consequência a impossibilidade de o Estado interferir nas normas e nos dogmas da Igreja. Em outras palavras, as religiões estabelecidas têm o direito de conduzir seus ritos, doutrinas e dogmas e seus atos litúrgicos de acordo com os ditames dos respectivos códigos religiosos. Tal medida fortalece o princípio da liberdade religiosa consagrada na Carta Magna", diz a justificativa do projeto.

Pois assim se lembraram da Constituição, que estabelece que todos são iguais perante as leis, sem influência de nossas opções individuais - religiosas, sexuais, de diferenças étnicas. E se lembraram, no caso específico que os interessa, que Estado e Igreja estão em campos distintos.

Justamente como prevê nossa Constituição e o Estado laico, plural e tolerante, as religiões podem ditar opções individuais, mas não podem querer impor suas concepções aos outros. Nisso se basearam os ministros do Supremo em decisão unânime, tão sensata e equilibrada, com espírito democrático, que marcou um importante passo na história do País. Foi um avanço no sentido de forçar os brasileiros a lidar de maneira tolerante e civilizada com suas diferenças, o que, aliás, as religiões deveriam defender.
 
Escrito por Bruno Borges

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