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A perseguição ao livre pensamento

 


Urge falar de um assunto que está sendo ignorado pela imprensa tradicional. Sim, no Brasil há presos políticos e afrontas à liberdade de expressão, fato que não ocorria desde o regime militar.

Há mais de 41 anos foi promulgada a Lei da Anistia. O Presidente João Baptista Figueiredo, quando assinou a histórica norma, em 28 de agosto de 1979, concedeu o perdão aos perseguidos políticos, chamados de subversivos pelo regime militar e, dessa forma, deu início à redemocratização do Brasil.

Foram anistiados, tanto os que lutaram armados contra o regime, quanto os que simplesmente haviam feito críticas públicas aos militares. Graças à lei, exilados e banidos voltaram para o Brasil, clandestinos deixaram de se esconder da polícia, réus tiveram os processos nos tribunais militares anulados, presos foram libertados de presídios e delegacias.

Em nome da “segurança nacional” e do combate à “subversão comunista”, pessoas foram torturadas e mortas. Muitas delas simplesmente desapareceram e nunca mais houve notícia sobre seus paradeiros.

Políticos como Leonel Brizola, Fernando Gabeira, Miguel Arraes, Fernando Henrique Cardoso e Herbert de Souza (Betinho), artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Ferreira Goulart, Glauber Rocha e o arquiteto Oscar Niemeyer foram viver no exterior, devido à repressão às suas ideias. A população comoveu-se quando do retorno de cada uma destas figuras ao Brasil.

A população à época, de modo geral, jamais apoiou o tolhimento das liberdades, mormente da repressão ao direito à livre expressão e pensamento.

Pois bem, 40 anos se passaram e a nossa democracia apodreceu. Desde maio do ano passado nasceu a maior perseguição à liberdade de expressão, desde a redemocratização brasileira. “O inquérito do fim do mundo”, alcunha do inquérito nº 4828, instaurado pelo ex-presidente do STF, Ministro Dias Toffoli e conduzido pelo Ministro Alexandre de Moraes por escolha do presidente da corte, sem que ocorresse sorteio.

O argumento central para isso: a suposta omissão do Ministério Público Federal (MPF), que teria deixado de investigar os atos antidemocráticos, e, ainda, com fundamento na hipótese prevista no artigo 43, do Regimento Interno do STF, na qual faculta ao presidente instaurar inquérito, quando se tratar de infração à lei penal “na sede ou dependência do Tribunal”.

O que é “sede ou dependência do Tribunal” é o primeiro grande problema desse inquérito. O STF interpretou que manifestações em redes sociais, cuja origem pode vir de qualquer lugar, têm identidade, nesse caso, com o conceito do regimento interno de “uma infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal”. Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal é onipresente.

Deste modo, foram presos e tiveram seus equipamentos informáticos confiscados: Sara Winter e Erica Viana do movimento “300 do Brasil”; o jornalista Oswaldo Eustáquio e os manifestantes Antonio Carlos Bronzeri e Jurandir Alencar. No mesmo inquérito, tiveram seus celulares e computadores confiscados: o jornalista Allan dos Santos, que acabou mudando-se com a família para os EUA e o escritor e tradutor Bernardo Kϋster; Tiveram equipamentos confiscados e seus sigilos quebrados os deputados Daniel Silveira (PSL-RJ), Cabo Junio Amaral (PSL-MG), Carla Zambelli (PSL-SP), Carol de Toni (PSL-SC), Alê Silva (PSL-MG), Bia Kicis (PSL-DF), General Girão (PSL-RN), Guiga Peixoto (PSL-SP), Aline Sleutjes (PSL-PR) e Otoni de Paula (PSC-RJ); o falecido senador Arolde de Oliveira (PSL-RJ); o advogado Luís Felipe Belmonte — atual vice-presidente do Aliança pelo Brasil ; youtubers como Camila Abdo, do canal Direto aos Fatos; o Ravox Brasil; Emerson Teixeira, o “professor opressor”; Fernando Lisboa e Roberto Boni.

O crime cometido por todas essas pessoas? Tecer duras críticas ao Poder Judiciário.

Saliente-se que Erica Viana e Sara Winter estão em prisão domiciliar desde junho de 2020, não podendo retornar aos seus Estados de origem e a seus trabalhos. O caso mais preocupante é de Oswaldo Eustáquio, que foi preso novamente em 18/12/20, tendo sofrido uma queda dentro da prisão, a qual ocasionou uma lesão grave na sua coluna, correndo, inclusive, riscos irreparáveis à sua mobilidade. Desde sua prisão, a família de Eustáquio não pôde encontra-lo, seja na prisão ou no hospital.

Nem parece que estamos falando do Brasil que festejou o retorno dos exilados políticos em 1979; que vibrou com a primeira eleição direta para Presidente da República, após 21 anos de regime militar; ou do país que teve milhões de pessoas nas ruas, manifestando-se a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Roussef, em 2016.

Independentemente de as pessoas elencadas neste artigo terem (ou não) exagerado nas suas críticas ao Poder Judiciário, ainda se trata de liberdade de expressão. A mesma liberdade tolerada pelas autoridades judiciárias em casos como o do jornalista Hélio Schwartsman em seu artigo “Por que torço para que Bolsonaro morra” de 07/07/20, da professora Rita Velloso, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que fez publicações nas suas redes sociais incitando a morte do presidente Jair Bolsonaro, do youtuber Vinícius Guerreiro que também pediu a morte do presidente, do projeto “Freedom Kick” (Chute da Liberdade), onde o ativista Indecline postou um vídeo em que uma escultura da cabeça de Jair Bolsonaro era usada como bola de futebol.

Em outro campo, temos as redes sociais, as quais tornaram-se tribunais sem direito a recurso, vez que excluem publicações, bloqueiam e banem contas de usuários por desrespeito às regras da plataforma, contudo, é nítido o viés ideológico das punições.

A liberdade de expressão é garantida pela Constituição Federal, mormente nos incisos IV e IX do artigo 5º. Enquanto o inciso IV é mais amplo e trata da livre manifestação do pensamento, o inciso IX foca na liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.

O artigo 5o é um dos mais importantes da nossa Constituição e contém os direitos fundamentais, difundidos entre seus 78 incisos, que têm o objetivo de assegurar uma vida digna, livre e igualitária a todos os cidadãos do País. No inciso IX, destaca-se especificamente a liberdade de expressão: “IX – É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Sinto profunda preocupação com a passividade que boa parte dos brasileiros estão observando estes acontecimentos de violação à liberdade de expressão, pois regimes como o nazista de Hitler, na Alemanha, ou, fascista, da Itália de Mussolini, começaram exatamente desta forma.

Nas palavras do Ministro Marco Aurelio de Melo, único voto contra a continuidade do “inquérito do fim do mundo”, em plenário do STF, no dia 18/06/2020: “Estamos diante de um inquérito natimorto” […] “é uma afronta ao sistema acusatório do Brasil” […]”magistrados não devem instaurar (inquéritos) sem previa percepção dos órgãos de execução penal”.

Evidentemente há limites para a liberdade de expressão, o inciso X do artigo 5º da Constituição Federal determina que não se pode ferir a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem de outra pessoa. Logo, não se pode usar o argumento da liberdade de expressão para ultrajar outros direitos garantidos, entretanto, quem se sentir ofendido (a vítima) é quem deve procurar reparação junto ao poder judiciário e não os tribunais saírem à caça de ofensores, como paladinos. Os tribunais só instauram procedimentos se provocados, ou seja, se alguém for bater às suas portas pedindo a intervenção da lei em um caso específico. Não há possibilidade de juízes instaurarem processos de ofício, exceto nos casos administrativos internos.

Como reflexão, deixo as sábias palavras de Evelyn Beatrice Hall: “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las”.  Apesar de muitas vezes atribuída a Voltaire, a frase é de Evelyn Beatrice Hall, que a escreveu para ilustrar as crenças de Voltaire, na sua biografia sobre o autor “Amigos de Voltaire”. 

Por
 Belinha Nogueira

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