Em 2001, uma reportagem da TV Globo chocou o país ao mostrar traficantes gritando frases como “Maconha de 2!” e “Pó de 5!” em favelas cariocas. Eram as chamadas “Feiras das Drogas”. De lá para cá, pouca coisa mudou na realidade das favelas. Uma diferença é o fato de os traficantes usarem a tecnologia para divulgarem seus “produtos”. E o Twitter é uma das ferramentas preferidas dos criminosos. A plataforma não parece preocupada em banir perfis ligados a facções que, além de comercializar drogas, exibem armas de grosso calibre e ameaçam inimigos e policiais.
A Gazeta do Povo identificou dezenas de contas do Twitter ligadas ao Comando Vermelho, ao Terceiro Comando e à ADA, que estão em guerra pelo controle dos morros do Rio. Longe de prezarem pela discrição e usarem linguagem cifrada, as facções se promovem abertamente e usam a plataforma para lucrar — seja com o comércio de drogas, seja com a divulgação de bailes funk organizados pelos traficantes.
Um dos exemplos mais é o do perfil da “Boca do Azul”. Com 5.800 seguidores, funciona desde julho de 2020. Por meio de vídeos e fotos postados quase diariamente, a página oferece cocaína, maconha, lança-perfume e ecstasy. A boca de fumo é controlada pelo Comando Vermelho e fica no alto do morro do Jacarezinho. Em um dos vídeos, postado em 5 de janeiro, o traficante apresenta os preços: “Maconha é 35 ou 10. Só pedação, da brava. Carga nova pela manhã. Pó de 15. Só pedrão, quem gosta de cheirar vem também. As melhoras drogas tá com nós.”
Na comunidade do Guarani, outra boca de fumo usa o Twitter para divulgação. Em 17 de janeiro, o perfil anunciava uma promoção — ilustrada por uma foto das drogas: “Patrão ficou maluco, compra uma (maconha) de 80$ ou de 35$ e leva uma seda, ainda leva um balão apertado da forte”. A postagem teve 40 retuítes e 250 likes em poucas horas. Na imagem, os tablets de maconha aparecem personalizados. Na embalagem, os dizeres: “Guarani CV”, em referência ao Comando Vermelho.
Policiais em risco
O Twitter também é utilizado para alertar sobre a presença da polícia nas comunidades, o que coloca em risco a vida dos policiais. Na manhã do dia 15 de janeiro, por exemplo, enquanto a Polícia Militar do Rio de Janeiro fazia uma operação na Favela do Castelar, em Belford Roxo, em busca de três crianças desaparecidas, o perfil “Favela do Castelar Morro do Rola” postava: “Atividade minha comunidade, Eles tão aí pra covardia…”. Poucos minutos depois, outro usuário respondeu: “Muita fé rapaziada atividade dobrada até a última bala”.
Anos de atividade e milhares de seguidores
Apesar de as políticas do Twitter proibirem esse tipo de conteúdo, a plataforma não parece interessada em excluir os perfis das facções. Ao acessar as páginas, o usuário recebe automaticamente sugestões de outros perfis ligados a grupos criminosos — muitas das quais funcionam há um bom tempo.
A página “Complexo do Chapadão” foi criada em 2016 e hoje tem 102 mil seguidores. Entre anúncios de baile funk e frases de auto-ajuda, o perfil divulga imagens de armas pesadas e faz ameaças a facções adversárias do Comando Vermelho. A Página do Morro do Juramento, outra comunidade controlada pelo Comando Vermelho, tem 26 mil seguidores e existe há três anos. O perfil “Cúpula do CV” foi criado em outubro de 2019 e tem 14 mil seguidores.
Ameaças
Ainda que menos populares, outras facções cariocas também utilizam o Twitter para exibir seu poder de fogo e ameaçar inimigos.
O perfil do “Tropa do Rei Leão SJ e Beira Paz”, por exemplo, exibe a marca do TCP (Terceiro Comando Puro, uma facção dissidente do Terceiro Comando), inimigo do Comando Vermelho. A página traz ameaças diretas e promete que, em breve, o Terceiro Comando Puro vai retomar o controle da comunidade Beira-Rio, que a facção perdeu recentemente para o Comando Vermelho. “Taca bala no comando (…) A meta é a Beira Rio”, diz uma postagem, acompanhada por uma imagem em que quatro criminosos exibem seus fuzis. Outras páginas ligadas ao Terceiro Comando trazem mensagens semelhantes, do tipo “vamo picotar vcs tudo”.
A facção Amigos dos Amigos (ADA), que controla as comunidades da Vila Vintém e da Vila Jurema, também tem suas páginas. O roteiro se repente: fotos com armas, homenagens a criminosos que foram presos ou morreram, e ameaças aos inimigos.
“Atos violentos”
Nos últimos dias, o Twitter baniu milhares de perfis à direita no espectro político — o mais importante deles, o do presidente americano Donald Trump. O argumento é o de que essas contas incitavam atos violentos, em especial a invasão ao Congresso dos Estados Unidos em 6 de janeiro. Recentemente, cada vez mais entidades e políticos conservadores têm se queixado das políticas do Twitter. A empresa alega que atua para impedir a propagação de conteúdos violentos e de notícias falsas. Ainda não está claro por que as facções criminosas do Rio de Janeiro escapam da vigilância da plataforma.
A Gazeta do Povo procurou o Twitter Brasil e aguarda resposta da companhia.
Gazeta do Povo
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