Um sinal de alerta foi aceso no Ministério Público (MP) em razão de possíveis mudanças no Código de Processo Penal (CPP) que representem algum tipo de ameaça à atuação de promotores e procuradores. Embora a discussão deva começar do zero no grupo de trabalho criado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a tendência é que o relatório do deputado João Campos (Republicanos-GO) apresentado na extinta comissão especial encarregada do tema seja aproveitado em grande parte. Entre os pontos mais polêmicos do projeto, está o item que, em tese, restringe o poder investigatório do MP. Informações da matéria da Revista Oeste.
Segundo o artigo 19 do texto, “o MP poderá promover a investigação criminal quando houver fundado risco de ineficácia da elucidação dos fatos pela polícia, em razão de abuso do poder econômico ou político”. Esse trecho vai na contramão do que definiu o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015 — que o MP “dispõe de competência para promover, por autoridade própria e por prazo razoável, investigações de natureza penal”. Procuradores também se assustam com o artigo 34, que estabelece um prazo de até 720 dias — quase dois anos — para a conclusão de um inquérito criminal.
“Esses poderes não são para o MP, mas para a sociedade”
A procuradora e professora de Processo Penal Thaméa Danelon, ex-coordenadora da força-tarefa da Lava Jato em São Paulo, alerta para os riscos ao MP. “De fato, essas mudanças não são boas. Vão enfraquecer a investigação. E é importante perguntar: a quem interessa isso?”, questiona, em entrevista a Oeste. “A Lava Jato teve êxito pelo bom trabalho exercido pelo MP livre e independente, com possibilidade de investigar. Esses poderes não são para o MP, mas para a sociedade. São para investigar corruptos, lavadores de dinheiros, narcotraficantes… São muito preocupantes essas propostas de mudança no CPP.”
O deputado federal Capitão Derrite (PP-SP) afirma que a preocupação do MP “é legítima”. “Sabemos que a Lava Jato representa um marco no combate à corrupção no país. Existe uma clara tendência de frear o poder investigatório do MP. Retirar do MP esse poder investigatório é um retrocesso no combate à corrupção”, diz.
Prisão em segunda instância
O texto apresentado à comissão especial extinta na Câmara também mexia no vespeiro da prisão após condenação em segunda instância — tema sobre o qual o STF se debruçou algumas vezes nos últimos anos. A proposta retirava do CPP o trecho que estabelecia, entre as hipóteses para a prisão, a condenação transitada em julgado (apenas após o fim de todos os recursos). Trata-se da interpretação atual do STF, que em 2019 mudou sua posição sobre o tema e impossibilitou a prisão após condenação em duas instâncias.
Como já há uma PEC (proposta de emenda à Constituição) sobre o tema em tramitação na Câmara, inclusive com uma comissão especial destinada a tratar do assunto, dificilmente o CPP avançará sobre a questão. “Essa lacuna que foi deixada pelo Congresso Nacional acabou abrindo a possibilidade de a Suprema Corte fazer o que não lhe cabe constitucionalmente, que é legislar. E eles mudam de opinião. A gente sabe que isso aconteceu por razões políticas”, critica Derrite.
“A prisão em segunda instância nunca foi proibida. Existem situações em que a prisão é necessária e existem situações em que não é necessária. Cabe ao tribunal e a cada juiz decretar essa prisão. Não concordo com a prisão automática”, pondera o advogado criminalista Daniel Bialski, mestre em Processo Penal e membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). “A pessoa que é perigosa não tem que ficar presa depois da segunda instância. Tem que ficar presa o processo inteiro. Cada caso é um caso diferente.”
Como Oeste noticiou, a proposta não é prioridade de Lira, que não pretende pautar o tema em plenário. Neste momento, não há ambiente político nem apoio suficiente no Parlamento para que o texto seja votado. “A prisão em segunda instância depende de PEC. Nós estamos trabalhando em projetos de lei. Então, depende da PEC da comissão feita para isso. Por enquanto, está parado”, esclarece o deputado Capitão Augusto (PL-SP), um dos integrantes do grupo de trabalho criado por Lira.
Juiz de garantias
Ponto controverso incluído no pacote anticrime aprovado em 2019, o juiz de garantias é o responsável “pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais”. Trata-se, na prática, de mais uma figura destacada para acompanhar a investigação criminal, regulamentada na proposta de alteração do CPP.
“É mais uma instância que, de fato, vai beneficiar quem comete crime. Além disso, é inexequível pelo tamanho do nosso país. Temos dimensões continentais. Imagine mais um juiz para cada processo. Isso pode funcionar em um país como Portugal, que tem uma extensão territorial pequena”, compara Derrite. “É mais uma oportunidade para que aqueles que cometem delitos busquem incessantemente a prescrição e não paguem pelos crimes que cometeram.”
Também contrário à medida, Capitão Augusto afirma que ela tem apoio suficiente para ser aprovada. “O juiz de garantias, infelizmente, vai permanecer. Eu sou totalmente contrário, mas o grupo é majoritariamente favorável. Já foi votado e aprovado na Câmara. Não adianta colocar para votar de novo porque vamos perder de novo”, diz.
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