Em audiência pública que tratou da reforma da lei eleitoral, o juiz federal de Mato Grosso, Julier Sebastião da Silva, propôs em sua palestra rever os dispositivos que permitem a contratação de cabos eleitorais. Para o magistrado, estas contratações apenas legitimam a compra de votos.
O doutor Julier está corretíssimo em defender com muita coragem o fim deste malefício da lei, que serve apenas para legitimar a compra de votos. A Justiça Eleitoral tem conhecimento dessas contratações por serem feitas entre o candidato e os cabos eleitorais. Na prática, quando o doutor Julier defende esta tese, a Justiça Eleitoral está tornando o processo democrático num balcão de compra de votos. Os candidatos que dispõem de mais recurso financeiro podem contratar maior quantidade de cabos eleitorais.
Objetivo dessas contratações é fazer a “divulgação do candidato”, mas na verdade, a sua grande missão está em cadastrar o maior número de eleitores, entre eles os seus familiares e amigos. Eles nada mais são do que a oficialização do boca de urna, sistema em que todos os cabos eleitorais têm uma meta de cadastro e no dia das eleições tem que garantir esses votos para o seu candidato. A grande maioria dos políticos começa as eleições contratando aqueles “líderes de bairros” com maior potencial eleitoral na certeza que farão grandes contratações e terão maior quantidade de votos.
Já no século 19, o pensador liberal John Stuart Mill dizia que o representante é consequência do voto dos eleitores, ou seja, talvez não adiante usar camisetas do tipo "tenho vergonha do Congresso Nacional". O Congresso não está separado de nós. Mesmo que sejamos parte de uma minoria, também integramos a sociedade que conduziu esses políticos aos cargos e pagamos os tributos que os sustentam. Para Fernando Sabino, "democracia é oportunizar a todos o mesmo ponto de partida. Quanto ao ponto de chegada depende de cada um”.
O doutor Julier foi muito feliz quando criticou, na reforma eleitoral, esta legitimidade da compra de votos. No seu ponto de vista jurídico eleitoral ele está defendo o princípio de Fernando Sabino, que é de oportunizar a todos o mesmo ponto de partida. Enquanto uns candidatos têm o poder aquisitivo de fazer mais de 5 mil contratações, com o compromisso de “divulgar a sua campanha”, fato que não passa de pura hipocrisia eleitoral quando alegam estar gerando emprego, na verdade, fortalecem cada vez mais o que disse Bertolt Brecht.
"O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, os preços do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio. Dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe, o imbecil, que da sua ignorância política nasce à prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais”
Para muitos brasileiros talvez seja mais fácil não ter posição, submeter-se ao poder, fingir que nada vê e nada ouve. Mas sua postura é uma armadilha perigosa. No fundo, os governantes respeitam mesmo os que militam, por isso, empenham-se tanto em destruí-los. O não militante é como um outdoor velho, perdido na paisagem. Ninguém liga para ele, embora ocupe espaço. É apenas um nome a mais na folha de contratações dos políticos. Um dia após as eleições todos estão demitidos.
O “militante” (de contrato eleitoral) que não tem compromisso costuma fazer o jogo dos outros. Ele vende a sua fala sem se aperceber disso. É um ingênuo porque acredita que está contribuindo para o progresso da sociedade. Torna-se um mero porta-voz de políticos. Muitos desses “militantes”, especialmente os que se proclamam não políticos, sem ideologia, não sintonizados com a verdade e a objetividade, costumam repudiar a verdadeira militância política, como se o compromisso com ideias ou causas fosse um equívoco.
A maioria deles praticam a militância (de contrato eleitoral) mesmo estando neutro. Esta é uma condição absolutamente militante. Não se pode ficar neutro quando se contempla a injustiça social, quando se depara com políticos corruptos e ficha suja. É muito difícil ver e ouvir alguém comentar nas mesas de bares, universidades e até nas vizinhanças, sobre a votação dos projetos de lei, das manobras políticas, nas relações de poder, do trabalho do seu parlamentar e avaliando os chefes dos poderes Executivo estadual e municipal.
O doutor Julier está certo em defender com garra o fim dessas contratações. Mesmo contrariando a classe política, esse assunto é extremamente importante e ignorá-lo é um delito contra a integridade do país onde vivemos. É querer o enfraquecimento da democracia brasileira.
Dejair Soares é publicitário, pós-graduado em gestão pública e ambiental e ex-diretor Comercial da Companhia de Saneamento de Cuiabá (Sanecap)
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