Nas primeiras eleições gerais em que está
sendo aplicada, a Lei da Ficha Limpa já barrou grandes nomes da política
brasileira, mas ainda é vista com ressalvas por setores do Poder Judiciário
brasileiro. Os defensores falam de avanços e afirmam que a nova regra já está
consolidada; os críticos dizem que a lei é cheia de brechas, com uma
jurisprudência que ainda não é totalmente clara e passível de manipulação.
Independentemente da divergência de opiniões, tanto críticos quanto defensores
afirmam: a Lei da Ficha Limpa não substitui o papel do eleitor na hora de se
escolher um candidato.
A norma já foi responsável pelo impedimento
de pelo menos 240 candidaturas, conforme dados dos Tribunais Regionais
Eleitorais (TRE’s). Na lista dos candidatos barrados, estão nomes como o do
ex-governador José Roberto Arruda (PR), considerado “ficha-suja” após ser
condenado em segunda instância pelo crime de improbidade administrativa por
envolvimento no escândalo chamado “mensalão do DEM”, descoberto pela Operação
Caixa de Pandora. Em 2010, o iG antecipou os principais detalhes da operação e
divulgou um vídeo no qual Arruda recebia suposta propina.
Barrado pelo TSE e STJ, José Roberto Arruda
(PP) colocou a esposa a esposa em seu lugar como candidata o governo do
Distrito Federal
Além de Arruda, outros dois candidatos a
governos estaduais também foram impedidos de disputar as eleições desse ano:
José Riva (PSD), em Mato Grosso e Neudo Campos (PP), em Roraima. Os três
indicaram substitutos para manter a candidatura do partido. Nos três casos, as
próprias esposas dos candidatos barrados passaram a fazer parte das chapas
majoritárias. Rivas e Campos foram substituídos, na candidatura ao governo do
Estado por Janete Rivas (PSD) e Suely Campos (PP). Já Arruda indiciou Jofran
Frejat (PR) como substituto, mas elevou a esposa, Flávia Peres (PR), à condição
de candidata a vice-governadora do Distrito Federal.
Distrito Federal:
- Barrado pelo TSE e STJ, Arruda lança
ex-deputado e esposa para o governo do DF
- Na 1ª pesquisa sem Arruda no DF, Rollemberg
lidera com 28%, mostra Ibope
Além deles, por aplicação da lei, candidatos
como Paulo Maluf (PP-SP), que disputa a reeleição na Câmara, e César Maia
(DEM-RJ), que tenta uma vaga ao Senado, foram impugnados. Maluf, condenado por
crime de improbidade administrativa por suposto envolvimento no caso de
superfaturamento do túnel Ayrton Senna, tenta manter sua candidatura no TSE. Já
Maia, também condenado em segunda instância por crime de improbidade
administrativa, conseguiu a liberação de sua candidatura após o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) anular sua condenação em segunda instância.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
e ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello,
afirma que a Lei da Ficha Limpa é uma lei consolidada. “É uma lei de iniciativa
popular que veio para buscar-se uma correção de rumos. É uma lei definitiva e
muito salutar se é que nos queremos ter dias melhores nessa nossa sofrida
República”, analisou o ministro. “A lei vale para todos. Mas quanto maior a
figura, maior é o tombo. A lei se aplica a todos os cidadãos pouco importando a
projeção política que possuam”, lembrou Marco Aurélio Mello.
Leonardo Prado/ Câmara dos Deputados
Condenado por improbidade administrativa por
suposto envolvimento no caso de superfaturamento do túnel Ayrton Senna, Maluf
tenta manter sua candidatura a deputado no TSE
“A lei está completamente consolidada. A Lei
da Ficha Limpa foi pensada para excluir das eleições os casos mais graves, mais
grosseiros. Ela não foi pensada para substituir o papel do eleitor. A lei está
cumprindo o seu papel de retirar de cenário pessoas mais grosseiramente
envolvidas com atos de corrupção. Quanto às demais, compete ao eleitorado o
fator decisivo”, complementou o juiz Márlon Reis, idealizador da Lei da Ficha
Limpa e membro e co-fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
(MCCE).
Mas especialistas em Direito Eleitoral
consultados pelo iG apontam que um dos efeitos colaterais da aplicação da Lei
da Ficha Limpa é justamente a substituição de candidatos “ficha-suja” por
parentes ou aliados políticos, como as esposas que agora disputam em lugar dos
candidatos a governos estaduais. Ou seja, na prática, o candidato barrados não
necessariamente deixa de ter acesso à nova administração, se sua antiga chapa
vencer a eleição.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
e integrante do TSE Gilmar Mendes ainda aponta um outro efeito colateral da Lei
da Ficha Limpa: a possibilidade de manipulação de julgamentos em Cortes
estaduais ou em tribunais de contas para se prejudicar um determinado
candidato. “A lei da Ficha Limpa tem características casuísticas. Hoje, você
pode ser condenado em segunda instância por órgão colegiado como Tribunais de
Contas, que têm influência do poder local. O legislador não observou essa
situação”, observou o ministro.
Mais: Candidatos colocam suas mulheres na
disputa eleitoral após serem barrados
Já o especialista em Direito Eleitoral,
Rodrigo Lago, também aponta que um outro problema da Lei da Ficha Limpa é a
falta de “visão de futuro” da norma. “A maior crítica é essa aplicação do
passado (da vida pregressa do candidato) para fins de inelegibilidade, o que
para mim é uma violência ao Estado do Direito. Quando você pratica um ato, você
pratica um ato pleno das consequências jurídicas. Mas a sanção que é aplicada
pela Lei da Ficha Limpa leva em consideração o passado do cidadão”, analisa
Lago. Lago pontua, como exemplo, eventuais casos de candidatos acusados de
escândalos na Câmara que depois são inocentados pela Justiça. “Ele é um
ficha-limpa sendo um ficha-suja”, ilustra Lago.
“As críticas são isoladas. No STF, apenas o
ministro Gilmar Mendes se insurge ainda contra uma lei que ampla maioria
considerou constitucional. Há questões interpretativas que ainda estão nos
tribunais e isso é normal porque a lei ainda é muito nova. Ainda vai demorar um
tempo para que a jurisprudência da Lei da Ficha Limpa se consolide”, finalizou
o juiz Márlon Reis.
Cronologia
- Após a coleta de 1,6 milhões de
assinaturas, a Lei Complementar 135/2010 foi sancionada pelo ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT). A lei prevê que um candidato condenado em Corte
colegiada ou que renunciou ao mandato para fugir de uma cassação fica
inelegível por oito anos;
- Em 2010, esperava-se que a lei já fosse
aplicada. Mas, em julgamento ocorrido em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF)
determinou que a norma era constitucional, mas que sua validade somente
ocorreria a partir daquele ano. Isso porque, a Constituição determina que
qualquer lei eleitoral que faça mudanças substanciais no processo de escolha de
candidatos, somente pode entrar em vigor em período superior a um ano da realização
das eleições;
- Com base nesse entendimento do STF,
candidatos que foram impugnados pela Ficha Limpa em 2010 conseguiram escapar.
Entre eles, estava o candidato ao senado Cássio Cunha Lima (PSDB-PB);
- Em 2012, ocorreu a primeira eleição sob
vigência da Lei da Ficha Limpa. Ao todo, 1.340 candidatos foram barrados na sua
primeira eleição;
- Em 2014, a Lei da Ficha Limpa entra na sua
primeira eleição geral. 240 candidatos já foram barrados nos Tribunais
Regionais Eleitorais;
- Nessa eleição, a lei barrou a candidatura
de José Roberto Arruda (PR) ao Governo do Distrito Federal (GDF). Arruda ainda
tentou concorrer argumentando que ele registrou sua candidatura antes de ser
condenado em segunda instância. O argumento não prevaleceu e ele foi barrado tanto
no Tribunal Regional, quanto no TSE;
- Já Cássio Cunha Lima, barrado em 2010, foi
impugnado novamente esse ano mas teve sua candidatura ao governo da Paraíba
liberada. Na argumentação, Lima disse que o período de inelegibilidade, por
conta da condenação por compra de votos referentes às eleições de 2006,
terminará no dia 1º de outubro desse ano. As eleições ocorrerão dia 5 de
outubro; IG
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