Acuada pela oposição, por aliados hostis e pelas críticas vindas
das ruas ? inclusive de seus próprios eleitores ? a presidente Dilma Rousseff
enfrenta a maior crise desde que chegou ao Planalto, há pouco mais de quatro
anos: tem diante de si a árdua tarefa de superar o isolamento e restaurar a
confiança da população em meio a um escândalo de corrupção de grande monta, uma
economia fragilizada e ânimos cada vez mais polarizados.
Segundo estimativas, cerca de 2 milhões de pessoas estiveram nas
ruas de várias cidades brasileiras para externar sua insatisfação com as
políticas do governo, pressionando ainda mais a presidente que deverá se
empenhar em encontrar uma solução para a crise.
A BBC ouviu lideranças sociais, cientistas políticos e
parlamentares para entender como a petista pode vencer a prova de fogo por que
passa seu governo e assegurar a governabilidade de seu segundo mandato,
principalmente após os protestos, a grande maioria a favor de seu impeachment,
no último domingo (15).
Segundo eles, a solução passaria por um tripé que inclui recuperar
a confiança do seu eleitorado, ampliar o diálogo com a base aliada e retomar o
crescimento da economia ? este último pilar, acreditam, não erradicaria, mas
atenuaria as fortes críticas que vem recebendo, sobretudo, de opositores.
"Dilma montou uma "cilada" para si mesma durante a
eleição, ao prometer que não mexeria em algumas das conquistas socioeconômicas
ocorridas nos últimos anos. Agora, mudou o discurso e tem dificuldade de
explicar o ajuste fiscal que, invariavelmente, se viu obrigada a executar,
especialmente, para os seus eleitores", afirmou à BBC Carlos Melo,
cientista político e professor-adjunto do Insper.
Na última sexta-feira (13), protestos convocados por entidades
ligadas a movimentos sociais, como CUT (Central Única dos Trabalhadores), MST
(Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) e UNE (União Nacional dos
Estudantes), tomaram as principais cidades do país para defender "os
direitos trabalhistas, a Petrobras, a democracia e a reforma política".
Apesar de ter sido chamado nos bastidores de "Blinda
Dilma", pelas manifestações de apoio à presidente e por ter ocorrido dois
dias antes dos protestos de domingo, o ato não foi "nem a favor nem contra
o governo", afirmaram lideranças à BBC.
"Queremos registrar nossa insatisfação com o rumo que o
governo está tomando. Achamos que é necessário fazer ajustes fiscais, mas sem
mexer no direito dos trabalhadores. A presidente pedir paciência não resolve o
nosso problema. A saída é o diálogo. Não vamos pagar com nosso emprego essa
crise que a presidente diz que existe. Ela tem um compromisso assumido conosco
durante as eleições", disse à BBC Adi dos Santos Lima, presidente da CUT-SP,
que defende a retirada das MPs (Medidas Provisórias) 664 e 665 que alteraram as
regras de acesso a benefícios sociais, como seguro-desemprego, auxílio-doença,
pensão por morte, entre outros.
Para a UNE, o protesto de sexta-feira foi uma forma de "pressionar
o governo" para rever algumas das medidas tomadas recentemente.
"Nós fomos às ruas e conquistamos essa vitória. Agora
seguimos em frente por mais direitos para garantir os 10% do PIB para a
educação e para aprovar uma reforma universitária democrática no nosso
país", afirmou a presidente da UNE, Vic Barros, após a manifestação.
Segundo Ricardo Ismael, cientista político da PUC-Rio, Dilma
precisa "urgentemente" reconhecer que "errou", mas ainda
tem dificuldades sobre qual estratégia de comunicação adotar junto à opinião
pública.
"A presidente Dilma não conseguiu explicar por que mudou o
discurso de campanha nem por que a população deve se submeter a tantos
sacrifícios. A insatisfação popular não é pelo terceiro turno; ela é objetiva:
o governo está tomando medidas impopulares e não resta dúvida de que isso gera
uma reação negativa da população", disse ele à BBC.
Coalizão
Protestos contra Dilma levaram centenas de milhares às ruas em
todo o país no domingo (15)
A dificuldade de Dilma em dialogar também é motivo de críticas no
universo político.
"Uma das principais falhas da presidente é, sem dúvida, a
falta de articulação política. Sem apoio no Congresso, Dilma não consegue tomar
medidas que possam garantir sua governabilidade, o que acaba impactando sua
popularidade", afirmou à BBC Paulo Baía, cientista político e professor da
UFRJ.
"Ela precisa repactuar sua base aliada, que está
completamente fragmentada, e ter como interlocutor o vice-presidente Michel
Temer, que é um homem de bom trânsito em todos os setores do Parlamento. Mas
ela não o usa como deveria em grande parte devido a seu estilo de
governar", acrescentou.
Na opinião de Ismael, da PUC-Rio, a postura unilateral adotada
pelo governo, especialmente com o PMDB, explica o impasse político no
Congresso, cujo ápice ocorreu quando o presidente do Senado, Renan Calheiros,
devolveu a MP que reduz a desoneração da folha de pagamento. Recentemente, de
acordo com informações do jornal O Estado de S. Paulo, o ministro da Fazenda,
Joaquim Levy, ameaçou pedir demissão caso o Senado derrubasse o veto à
prorrogação até 2042 dos subsídios sobre a energia elétrica para grandes
empresas do Nordeste.
"Dilma precisa de apoio político, ou seja, que o PT, o PMDB e
a maioria do Congresso defendam o governo. Mas parte expressiva dos
parlamentares do PT, o partido da presidente, é contra o ajuste fiscal. O
governo errou, principalmente em tentar isolar o PMDB. Não conversa com ninguém
e quer impor medidas", disse Ismael.
Para o deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), líder do PMDB na
Câmara, a discussão tem de ser mais "ampla".
"O que o PMDB deseja é uma participação efetiva no núcleo
institucional decisório do governo, deseja ser ouvido para a tomada das
decisões estratégicas, políticas e da reformulação das políticas públicas. Mas,
infelizmente, não foi dessa forma como esse processo foi conduzido nos últimos
tempos", criticou ele à BBC.
"O PT exerceu uma posição hegemônica no núcleo de decisão
política do governo, estremecendo as relações entre o Executivo e o Legislativo
e desorganizando a base aliada. Agora, essa relação precisa ser recomposta com
diálogo e com a consolidação de uma coalizão verdadeira. Se o diálogo for
sincero, e essa é a intenção, não vejo dificuldade para que isso ocorra. Do
contrário, de fato, não irá avançar", afirmou.
Já para o deputado Rogério Rosso (PSD-DF), líder do PSD na Câmara,
outro partido da base governista, o Congresso "não pode estar de forma
passiva analisando as medidas do governo".
"Queremos uma agenda positiva e propositiva. A presidente
precisa ampliar seu núcleo político. Essa ampliação significa ouvir mais opiniões
e pensamentos. Como líder do partido, acredito ser importante o estreitamento
entre o governo e a base aliada", disse Rosso à BBC.
Na semana passada, o governo deu uma indicação de que estaria
aberto a ampliar o diálogo ao incluir ministros de partidos da base, além de
chamar outros membros da gestão, para as reuniões de articulação política.
Nominalmente, Dilma citou os ministros Gilberto Kassab (PSD,
Cidades), Aldo Rebelo (PC do B, Ciência e Tecnologia) e Eliseu Padilha (PMDB,
Aviação Civil). Na ocasião, a petista aproveitou para negar a possibilidade de
retirada de Aloizio Mercadante (Casa Civil) da articulação após rumores de que
ela estaria insatisfeita com sua atuação.
Oposição
Saída para Dilma passa por melhor articulação política com o Congresso
Embora considerem "pequena, quase impossível" a
possibilidade de Dilma conquistar o eleitorado de oposição, especialistas
ouvidos pela BBC Brasil acreditam que a retomada da economia ajudaria a conter
os ânimos exaltados dos opositores.
"A possibilidade (de se aproximar do eleitorado de oposição)
é muito pequena. Acho que se estabeleceu uma resistência de alguns setores
sociais à presidente, ao governo e ao próprio PT. Mas o presidente Lula, é
preciso lembrar, teve esse apoio em determinado momento. A própria elite se
surpreendeu com ele. É claro que Lula foi favorecido pelo bom momento econômico
que o Brasil vivia, especialmente em seu primeiro mandato, mas foi muito hábil
politicamente, garantindo uma boa interlocução com setores-chave da economia,
como a indústria e os bancos", afirmou Melo, do Insper.
"Mas isso requer, sobretudo, um perfil menos autoritário. Na
política, liderança e blindagem são imprescindíveis. E hoje Dilma não tem
nenhuma das duas", concluiu. Por: Luís Guilherme Barrucho - @luisbarrucho Da BBC Brasil em São Paulo
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