Após dez anos de estudos e testes, o Brasil está se
preparando para ser o único país do mundo a produzir o soro antiapílico –
contra múltiplas picadas de abelhas.
Os pesquisadores responsáveis pelo projeto, Marcelo Abrahão
Strauch, do Instituto Vital Brazil (IVB), e Rui Seabra Ferreira Júnior, do
Centro de Estudos de Venenos de Animais Peçonhentos (Cevap) da Universidade
Estadual Paulista, querem submeter, ainda este ano, ao Ministério da Saúde e à
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os relatórios com os
resultados positivos alcançados nos ensaios clínicos da primeira fase, que
envolveram testes em 20 pessoas mordidas por muitas abelhas.
A fase 3 de testes será iniciada após a aprovação do
ministério e da Anvisa e prevê o recrutamento de 150 a 200 pessoas que tiveram
múltiplas mordidas de abelhas, atendidas em 32 hospitais pertencentes à rede
nacional de pesquisa pública.
Os resultados das pesquisas farmacológicas com o soro
antiapílico serão apresentados por Marcelo Abrahão Strauch no Congresso Mundial
de Toxinologia, que será realizado na Argentina, em setembro.
A primeira fase avaliou a segurança do produto, por se tratar
de um medicamento novo, e o ajuste de dose. A fase 3 vai observar a garantia da
segurança e a eficácia do soro, disse Rui Ferreira Júnior, em entrevista à
Agência Brasil.
Caso tudo corra bem na nova fase, a previsão é que o soro
seja disponibilizado para a população entre 2021 e 2022. Após os ensaios da
fase 3, os resultados serão novamente submetidos à Anvisa, para que o registro
do produto possa ser efetuado.
Envenenamento tóxico
Ferreira Júnior esclareceu que o soro antiapílico será
produzido pelo Instituto Vital Brazil, órgão do governo fluminense. De acordo
com os pesquisadores, o soro deve ser aplicado em casos de envenenamento
tóxico, isto é, quando a pessoa é vítima do ataque de um enxame. Para os casos
de indivíduos alérgicos picados por uma única abelha, o tratamento é específico
e abrange medicamentos comuns.
O antídoto brasileiro é inédito. Atualmente, há 45
produtores de soros para animais peçonhentos no mundo, mas nenhum fabrica o
soro para envenenamento tóxico por abelhas. “O Brasil é pioneiro”, destacou
Strauch.
Após ganhar o registro, a disponibilização do soro será
gratuita. “Hoje, todo tratamento de picada de animal peçonhento só tem soro
disponível na rede pública”, disse Marcelo Strauch.
No Rio de Janeiro, o polo de atendimento em caso de picadas
de animais peçonhentos, como cobras, escorpiões e abelhas, é encontrado no
Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra da Tijuca, zona oeste da capital.
Já o soro para múltiplas picadas de abelhas também deverá ficar disponível no
Hospital Universitário Antonio Pedro, da Universidade Federal Fluminense (UFF),
localizado em Niterói, região metropolitana do Rio.
Rui Ferreira Júnior lembrou que as pesquisas contaram com a
colaboração do Laboratório de Farmacologia das Toxinas da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ), que realizou testes farmacológicos paralelos para
avaliação do soro já produzido.
Acidentes
Segundo Strauch, a abelha faz parte do grupo dos animais
peçonhentos, que se caracterizam por possuírem glândulas que produzem e secretam
veneno.
Picadas múltiplas de dezenas ou centenas de abelhas podem
gerar intoxicação. Há casos de choque anafilático que podem levar o paciente à
morte. “A letalidade é alta por um ataque de múltiplas abelhas por causa da
quantidade de veneno que o paciente recebe e não tem o antídoto”.
A estimativa é que ocorram cerca de 10 mil acidentes com
picadas de abelhas por ano no Brasil. Marcelo Strauch avaliou que o número pode
ser muito maior, tendo em vista as subnotificações. O pesquisador afirmou que os
acidentes por enxames de abelhas resultam em 40 óbitos notificados anualmente
no Brasil.
O projeto contou ainda com apoio do Ministério da Saúde, da
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
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