Recente sentença do TJ-SP mostra que gestores de grupos no
aplicativo podem parar no banco dos réus por não coibirem ofensas e difamações
Administradores de grupos de WhatsApp estão de cabelo em pé.
Em uma nova decisão, desembargadores da 34ª Câmara de Direito Privado do
Tribunal de Justiça de São Paulo condenaram, por unanimidade, a gestora de um
grupo do aplicativo a pagar R$ 3 mil por danos morais a uma mulher ofendida por
outra integrante do mesmo grupo, ao ser chamada de ‘vaca’.
No acórdão, o desembargador Soares Levada alegou que a
administradora, que recorre da sentença, não coibiu a ofensa. O assunto tem
provocado controvérsias. Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), crimes
cibernéticos no Brasil já atingem anualmente 62 milhões de pessoas.
O assunto divide opiniões. “Não concordo em responder por
atitudes de terceiros”, opina o fotógrafo Wallace Feitosa, administrador de
dois grupos. Ele diz que, às vezes, se sente como um “padre no confessionário”.
“Vira e mexe, as partes que trocam farpas, especialmente por política e
futebol, me acionam no privado. Cada um com sua versão. Tem que ter manha para
apaziguar os ânimos”, pondera.
Advogado em Direito Digital, Adriano Fidalgo defende
punições judiciais. “Se um administrador faz algo errado em uma empresa e
responde criminal ou civilmente, por que não no WhatsApp?”, argumenta. Perito
em crimes digitais e presidente da Comissão de Direito Digital da OAB/SP, José
Milagre diz que a tendência é que as condenações passem a ser comuns. “Só o
TJ-SP já tem dois mil acórdãos. A maioria por expulsões de grupos, calúnias,
fotos, vídeos, fake news e pornografia infantil”, enumera.
A advogada Giselle Farinhas reforça. “Se por um lado temos a
garantia de liberdade de expressão, por outro há também o direito à indenização
pela honra lesada. Ou seja, ambos são direitos fundamentais da Constituição”,
observa.
A cabeleireira Julita Mariante, 32, acha as condenações
“absurdas”. “Sou administradora de grupo com 100 clientes. E sempre tem um
‘barraco’. Imagina se a toda hora alguém me processa?”. O pintor João da Silva,
45, por sua vez, defende intervenções judiciais. “Já fui humilhado e chamado de
chifrudo por conta de uma foto da minha esposa com um primo. O administrador
ainda me insultou, postando a foto de um touro”, lembra.
Entrevista com José Antônio Milagre, advogado e perito
especialista em crimes digitais
– O senhor acredita que o poder judiciário está mais atento e
sensível, quanto aos crimes digitais?
Sim, com certeza. Antes era difícil discernir o que era
conteúdo de comunicações privadas de outros registros. Assim, quando a vitima
buscava conhecer quem eram os integrantes de grupos ou mesmo os registros de
acesso a aplicação e números de IPS dos mesmos, muitas vezes tinha seu pleito
negado, sob o argumento de que a conversa “é criptografada ponta a ponta”. Uma
coisa não tem nada a ver com outra.
Hoje se sabe que embora o conteúdo das conversas “em tese”
não seja armazenado pelo comunicador, é dever deste registrar, nos termos do
art. 15 do Marco Civil da Internet, os registros de acesso e uso de seus
usuários (números IPS), mesmo que o login no whatsApp seja o próprio número
telefônico, pois sabemos que hoje um chip pode ser habilitado no nome de outras
pessoas, sobretudo para espalhar vingança pornô, ofensas e fakenews. A vitima
então pode buscar a quebra de sigilo dos contatos de grupos e de usuários,
judicialmente.
– O (a) administrador (a ) de grupo deve mesmo responder
judicialmente por conflitos dentro dos grupos de WhatsApp?
Acho que sim, pois os administradores detêm o poder de
moderação. Muitas vezes o dano é potencializado. Administradores, que poderiam
remover a ofensa, advertir, banir usuários, consentem conteúdos ilegais. E as
vezes até incentivam. Assim, assumem o risco de manterem um ambiente imoderado,
onde crimes podem ser praticados.
– Então, o (a) administrador (a) deve saber, desde quando
monta um grupo ou é colocado como gestor dele, de que possíveis problemas
judiciais podem ser enfrentados no futuro?
Com certeza. Neste sentido, não há dúvida. É dever dos
administradores tomar atitudes diante de possíveis crimes, fraudes, ofensas ou
mesmo conteúdos indevidos (como pornografia infantil, uma dos crimes mais
comuns) sob pena de se responsabilizarem por eles. Devem, inclusive, cooperarem
com as autoridades, na apuração de conteúdos ilícitos que tramitaram por seus
grupos. Na negativa ou se comprovado que não agiram como deveriam, podem até
mesmo responder como se fossem o autor das publicações, como já ocorreu em
julgamentos sobre o tema no Brasil.
– O senhor tem percebido um aumento de jurisprudência nesses
tipos de casos?
Podemos dizer que esses tipos de situações estão disparando.
Em pesquisa recente no TJ/SP identificamos mais de 2.000 acórdãos em segunda
instância envolvendo WhatsApp. Temos até mesmo processos indenizatórios por banimento
de grupos, processos por ofensas e brigas. Mas os principais casos ainda
envolvem a circulação de fotos, vídeos, ofensas e fakenews, onde o provedor
Facebook Brasil é instado a fornecer os registros de quem “compartilha” a
informação, formando-se a timeline da divulgação da ofensa.
– Que tipo de sansões, além de multas, têm ocorrido nesse
campo?
Em alguns casos, os processos pedem o bloqueios de conteúdos
pelo código HASH (um código único, que identifica um conteúdo), onde pede-se,
por exemplo, que uma foto intima de uma menor não continue ou não possa
continuar sendo compartilhada no comunicador ponto a ponto. As brigas na
Justiça, porém, podem demorar anos, considerando que ainda há resistência da
responsável pelo aplicativo em cumprir algumas determinações judiciais. No
Brasil, como visto, já tivemos até mesmo suspensão do aplicativo por conta de
descumprimento de ordens judiciais.Casos mais graves podem resultar na prisão
dos envolvidos.
– Que tipos de crimes mais comuns o administrador de um grupo
de WhatsApp está sujeito a responder?
Os administradores podem ser condenados a indenizar por
danos morais e materiais sofridos pelas vitimas de difamação em aplicativos com
WhatsApp. Ainda, dependendo do contexto, podem ser responsabilizados por calúnia
e difamação. Já tivemos casos em que administradores responderam por
pornografia infantil a medida em que consentiram com a transmissão de conteúdos
desta natureza em seus grupos, o que fora denunciado por um dos membros.
E se um usuário do aplicativo receber e nem abrir conteúdo
de fundo criminoso?
A questão é polêmica, pois realmente muitas vezes
integrantes de grupos recebem conteúdos no automático e sem saberem (sem dolo)
podem estar armazenando em seus celulares conteúdo envolvendo pornografia infantil.
Assim, o pecado está na omissão. É sempre importante configurar os aplicativos
para não baixarem automaticamente conteúdos. As vezes é melhor estar só do que
mal acompanhado, como diz o velho ditado.
Meu conselho é sair de grupos onde não há moderação e os
excessos imperam. É possível, judicialmente, obter-se a lista de integrantes
que participaram, compartilhando conteúdo criminoso, de algum grupo. Todos
podem ser responsabilizados.
– Como agir nos casos em que o usuário recebe conteúdo
duvidoso, quanto à origem, e se tem algum tipo de conotação criminosa?
O Superior Tribunal de Justiça publicou levantamento neste
domingo no dia 17 do mês passado, sobre precedentes que julgaram crimes
cibernéticos no Brasil. Esse tipo de delito já afeta anualmente 62 milhões de
pessoas e causa prejuízo de US$ 22 bilhões, de acordo com estudo divulgado no
início de 2018 pela empresa de segurança virtual Symantec.
No meu site www.direitodigital.adv.br eu mantenho um e-book
gratuito: Crimes virtuais: O que fazer e como agir. As pessoas podem usá-lo.
Também sou fundador do IDCI (Instituto de Defesa do Usuário e Consumidor de
Internet), uma entidade que visa proteger os direitos dos usuários de Internet
no Brasil, um dos principais países em números de crimes cibernéticos.
PARA NÃO ‘ERRAR NA MÃO’ Dicas para o bom uso do WhatsApp
Não alimente desentendimentos ou bate-bocas no grupo. Em
muitas ocasiões, o silêncio fala mais alto
Só repasse conteúdos relevantes. Correntes, fotos em excesso
e infinitas respostas a um ‘bom-dia’ todas as manhãs podem gerar sérios
conflitos
Para evitar desentendimentos e fofocas, avise antes de sair
de um grupo, informando que estará disponível para conversas privadas. Se
preferir, silencie as mensagens
Evite ouvir recados de voz em público. Você não sabe o que
virá do outro lado. E não fique na expectativa de respostas imediatas, mesmo
após ver que sua mensagem foi lida. Cobrar retorno pega muito mal
Pense mil vezes antes de enviar qualquer conteúdo
particular. Ele pode ser compartilhado rapidamente, sem que você saiba
Em hipótese alguma envie mensagens em grupos se estiver
alcoolizado. É grande a chance de escrever besteiras e criar grande mal-estar
Se não tiver certeza se a origem da mensagem é verdadeira,
não repasse para ninguém. Falsas notícias (fake news) têm causados grandes
estragos mundo afora
Nunca inclua alguém num grupo sem consultar quem está sendo
incluído
Compartilhar imagens pornográficas é crime e fonte de muitas
desavenças
Fonte: Lígia Marques, consultora em etiqueta digital
Fonte: http://campos24horas.com.br/portal/criador-de-grupo-de-whatsapp-pode-ser-processado-por-ofensas/
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