Por Marcos Coimbra
Em três semanas, a comissão criada por José Sarney reescreveu nosso sistema político. Mas o Congresso estará à altura das transformações que ela propõe?
Se não precisar de mais tempo, a Comissão Especial do Senado para a reforma política concluirá seus trabalhos na terça-feira 5, quando a última reunião prevê a sistematização dos trabalhos e a apresentação das conclusões.
Louve-se o empenho com que José Sarney cumpriu o compromisso de constituí-la e lhe dar condições de funcionamento. Quando indicou alguns dos nomes mais conhecidos do Senado, garantiu que a comissão não seria apenas mais uma. Seus 15 integrantes são uma espécie de elite da Casa, com dois ex-presidentes da República, ex-governadores de diversos partidos e lideranças respeitadas. Sentindo-se no dever de dar uma satisfação à opinião pública, todos se esmeraram no cumprimento da agenda, de forma a não frustrar as expectativas de que tirariam a reforma do papel. Dos estudos e discussões da comissão sairá um anteprojeto, que ainda terá de ser apreciado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ) antes de ser submetido ao Plenário. O resultado irá depois para a Câmara, onde outra comissão com objetivos semelhantes está funcionando (em ritmo menos acelerado). É muito chão pela frente. Até subir à sanção presidencial, seu texto ainda passará por várias mudanças.
Embora isso seja verdade, o caráter ilustre da comissão pode inibir as discussões ao longo de sua tramitação. É natural, por exemplo, que os nove senadores do PSDB tenham dificuldade de votar contra uma proposta defendida por Aécio Neves. Ou que os quatro do PP sejam contrários a algo que Francisco Dornelles aprovou exercendo a presidência. E que os quatro do DEM rejeitem as teses de Demóstenes Torres. O mesmo talvez não aconteça no PMDB e no PT, maiores e mais heterogêneos. Ainda assim, os três peemedebistas e os três petistas que a integram são figuras respeitadas em seus partidos, contra as quais nem todos seus pares quererão ficar. Será, portanto, um anteprojeto mais pesado que de costume.
Contando com a simpatia de Sarney, que funcionou como o 16º integrante da comissão e que se sente corresponsável por ele, mudará na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), mas dificilmente no fundamental. E no plenário tampouco deverá sofrer grandes alterações. Ou seja, o que sair da comissão será parecido ao que chegará à Câmara. Daí em diante, é arriscado especular, mas é provável que muitas de suas características permaneçam. É por isso que se deve lamentar que a comissão tenha preferido correr com seus trabalhos a se aprofundar na consideração das matérias. Compreende-se que quisesse responder prontamente à missão, mas não era necessária tamanha velocidade.
O que ela ganhou votando, de 15 a 31 de março, mudanças tão drásticas quanto as que aprovou?
Nessas três semanas, a comissão reescreveu nosso sistema político. Mudou coisas que tínhamos desde os anos 1930, como o voto proporcional em lista aberta, e acabou com outras mais recentes, como a reeleição. Encurtou os mandatos no Executivo. Mexeu na vida dos partidos, nas eleições, no modo como fazemos política desde quando nos tornamos o país que somos hoje. Se permanecer como está, o anteprojeto, em quase todos os casos, irá de encontro ao que preferem as pessoas. O voto em lista fechada, por exemplo, é uma instituição que muito dificilmente será assimilada pelo eleitor. Sua desaprovação nas pesquisas só não é maior por ser pouco conhecido e de difícil explicação.
E quando serão implantadas as novidades? Ninguém imagina que, vingando o fim da reeleição, já valerá para as próximas eleições municipais. E nem para as eleições presidenciais e de governador de 2014. É quase certo que a ampla maioria de que o governo dispõe no Congresso não subtrairá da presidenta Dilma Rousseff o direito de concorrer, se quiser, a um segundo mandato. E o voto em lista fechada nas eleições de vereador de 2012? Ele contraria de modo frontal as movimentações em curso, pois inverte a lógica que essas disputas adquiriram nos últimos anos, especialmente nas grandes cidades. Apenas para ilustrar: a atual Câmara de Vereadores de Belo Horizonte tem representantes de 19 “partidos”, a maioria dos quais inexistentes na vida real. Onde aplicar a ideia de listas partidárias, se os partidos são ficções?
A comissão escolheu o caminho de mudar tudo. Com tanta gente experiente, deve saber o que faz. De fora, no entanto, não parece ser a melhor opção.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi.
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